domingo, 24 de maio de 2009

Paulo Freire e a Inclusão

Estranho o desmerecimento ao Paulo Freire. Só possível dentro da lógica da Revista Veja. Em geral, não a leio; apenas quando alertado por alguém de algum absurdo mais evidente, é que procuro saber o que a Revista fez.
Paulo Freire é um educador respeitadíssimo no mundo. Sugerir que sua obra se refere a doutrinação de esquerda é no mínimo estranho. Sua obra (e creio sua vida) está toda dirigida a construção da pessoa, sua inserção no mundo como sujeito. A percepção do humano como ser dialógico é uma contribuição muito além da fronteira política ou partidária.
Não encontrei ainda em seus escritos uma consideração sobre a educação inclusiva, pois seus textos tratam de Educação, e a Educação é aquela que inclui o outro. Sua proposição de transformar o mundo por meio do diálogo é uma maneira de lutar pela inclusão. Acho que como início, todos deveríamos ler A pedagogia do oprimido, para buscar entender como nos fazem entender o nosso lugar no mundo e como construindo-nos sujeitos da história, trabalhar para transformar essa realidade.
Vou me permitir reviver um texto mais antigo, onde procuro situar como podemos entender a inclusão e a diversidade a partir da leitura de Paulo Freire.
Fiquei com a incumbência de falar sobre a inclusão e a visão da diversidade na concepção de Paulo Freire(!) Bem, não li tudo de Paulo Freire (aliás, bem pouco) e não encontrei exatamente uma alusão à inclusão ou a diversidade. Embora não necessariamente dirigido a essa luta, contudo, há muito a aprender com Paulo Freire nesse campo, muito embora o aprendizado que se faça de seu escrito possa estar muito além das palavras e frases.
Ler, como diz o próprio Paulo Freire, é coisa séria, e o leitor deve ler criticamente, reescrevendo o que o autor escreveu.
Numa reescrita, eu diria que a diversidade é uma luta pelo respeito e igualdade de direitos a diferentes grupos de pessoas, que se encontram marginalizados na conjuntura atual. Esses grupos marginalizados, são domesticados, silenciados e inferiorizados pelo grupo dominante. Ao aceitarem a visão imposta pelo grupo dominante, esses próprios grupos marginalizados incorporam os valores outorgados por esse grupo, e se vêem e se constroem como pessoas inferiores.
Na ruptura desse processo de dominação, os grupos marginalizados têm de desenvolver a consciência crítica, e entender o por que de as coisas estarem sendo dessa maneira, e trabalhar para mudar o jeito em que as coisas estão. Nesse trabalho, as lideranças e as pessoas marginalizadas trabalham no sentido de resgatar a própria cultura, construída a partir da realidade em que estão inseridos. É preciso romper com a educação bancária, em que o conteúdo é depositado no aprendiz, que passivamente o aceita como é. Na visão de Freire, o educando, em conjunto com o educador, tem de ativamente reconstruir o conhecimento, a luz de sua própria realidade, de modo que esse conhecimento seja objeto de sua avaliação crítica, e contribua para a sua releitura do mundo.
Acontece, que o grupo dominante, quer que as coisas continuem como estão e haverá resistência às mudanças, de modo que esse processo gera conflitos. Nesse sentido, o texto de Freire propõe uma ação cultural para a libertação, em oposição à cultura vigente, imposta pelas classes dominantes.
E por onde passaria a inclusão? Aí a discussão é complexa, porque enquanto grupo dominado, queremos ser 'aceitos' e participar do grupo dominante. É preciso desvelar com calma e profundidade essa realidade. Até que ponto, estamos assimilando a cultura dominadora, até que ponto queremos romper com essa cultura? Até que ponto o grupo dominante nos oferece algum espaço, onde possamos estar inseridos, mesmo como política de silenciar a população excluída.
De Paulo Freire a Habermas e de novo em Paulo Freire, diria que o movimento inclusivo trabalha em ações estratégicas, em que se objetiva algum êxito. O grupo dominante, para manter as coisas como estão, também faz uso das ações estratégicas e administra pequenas concessões, muitas vezes dando ganho não à população excluída, mas às suas lideranças, que desse modo se isolam do movimento inclusivo, no sentido da comunhão que deveriam ter com a população excluída.
O processo de mudança passa pela ação cultural. Não haverá inclusão verdadeira, se lideranças do movimento e a população excluída não trabalharem em comunhão nessa ação cultural. As pessoas ditas com deficiência têm de estar inseridas no movimento e a ação cultural também age no sentido de dar voz a elas, rompendo o silêncio em que estão imersas.


*Autor: Gil Pena é médico patologista e pai. Dedica-se a estudos na área da educação, dentro da linha do Projeto Roma.

Descrição da imagem : cartoon de Paulo Freire ensinando numa sala de aula um grupo de adultos a escrever a palavra Povo.

Um comentário:

Mari disse...

Realmente a reportagem da revista não fez jus a verdadeira história desse grande educador. mas devemos lembrar que sem sensacionalismo a revista não vende, então vira uma corrida de gato e rato entre os meios de informação onde nem sempre a verdade é tratada como fonte principal.

Mari
http://blogprofessoramari.blogspot.com.br/

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