quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555,
de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007.


I – Introdução
O movimento mundial pela educação inclusiva é uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à idéia de eqüidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola.
Ao reconhecer que as dificuldades enfrentadas nos sistemas de ensino evidenciam a necessidade de confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas para superá-las, a educação inclusiva assume espaço central no debate acerca da sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão. A partir dos referenciais para a construção de sistemas educacionais inclusivos, a organização de escolas e classes especiais passa a ser repensada, implicando uma mudança estrutural e cultural da escola para que todos os alunos tenham suas especificidades atendidas.
Nesta perspectiva, o Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial apresenta a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, que acompanha os avanços do conhecimento e das lutas sociais, visando constituir políticas públicas promotoras de uma educação de qualidade para todos os alunos.

II – Marcos históricos e normativos
A escola historicamente se caracterizou pela visão da educação que delimita a escolarização como privilégio de um grupo, uma exclusão que foi legitimada nas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. A partir do processo de democratização da escola, evidencia-se o paradoxo inclusão/exclusão quando os sistemas de ensino universalizam o acesso, mas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola. Assim, sob formas distintas, a exclusão tem apresentado características comuns nos processos de segregação e integração, que pressupõem a seleção, naturalizando o fracasso escolar.
A partir da visão dos direitos humanos e do conceito de cidadania fundamentado no reconhecimento das diferenças e na participação dos sujeitos, decorre uma identificação dos mecanismos e processos de hierarquização que operam na regulação e produção das desigualdades. Essa problematização explicita os processos normativos de distinção dos alunos em razão de características intelectuais, físicas, culturais, sociais e lingüísticas, entre outras, estruturantes do modelo tradicional de educação escolar.
A educação especial se organizou tradicionalmente como atendimento educacional especializado substitutivo ao ensino comum, evidenciando diferentes compreensões, terminologias e modalidades que levaram à criação de instituições especializadas, escolas especiais e classes especiais. Essa organização, fundamentada no conceito de normalidade/anormalidade, determina formas de atendimento clínico-terapêuticos fortemente ancorados nos testes psicométricos que, por meio de diagnósticos, definem as práticas escolares para os alunos com deficiência.
No Brasil, o atendimento às pessoas com deficiência teve início na época do Império, com a criação de duas instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, atual Instituto Benjamin Constant – IBC, e o Instituto dos Surdos Mudos, em 1857, hoje denominado Instituto Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio de Janeiro. No início do século XX é fundado o Instituto Pestalozzi (1926), instituição especializada no atendimento às pessoas com deficiência mental; em 1954, é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE; e, em 1945, é criado o primeiro atendimento educacional especializado às pessoas com superdotação na Sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff.
Em 1961, o atendimento educacional às pessoas com deficiência passa a ser fundamentado pelas disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei nº 4.024/61, que aponta o direito dos “excepcionais” à educação, preferencialmente dentro do sistema geral de ensino.
A Lei nº 5.692/71, que altera a LDBEN de 1961, ao definir “tratamento especial” para os alunoscom “deficiências físicas, mentais, os que se encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados”, não promove a organização de um sistema de ensino capaz de atender às necessidades educacionais especiais e acaba reforçando o encaminhamento dos alunos para as classes e escolas especiais.
Em 1973, o MEC cria o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, responsável pela gerência da educação especial no Brasil, que, sob a égide integracionista, impulsionou ações educacionais voltadas às pessoas com deficiência e às pessoas com superdotação, mas ainda configuradas por campanhas assistenciais e iniciativas isoladas do Estado.
Nesse período, não se efetiva uma política pública de acesso universal à educação, permanecendo a concepção de “políticas especiais” para tratar da educação de alunos com deficiência. No que se refere aos alunos com superdotação, apesar do acesso ao ensino regular, não é organizado um atendimento especializado que considere as suas singularidades de aprendizagem.
A Constituição Federal de 1988 traz como um dos seus objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.3º, inciso IV). Define, no artigo 205, a educação como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. No seu artigo 206, inciso I, estabelece a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola” como um dos princípios para o ensino e garante, como dever do Estado, a oferta do atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208).
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº 8.069/90, no artigo 55, reforça os dispositivos legais supracitados ao determinar que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. Também nessa década, documentos como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994) passam a influenciar a formulação das políticas públicas da educação inclusiva.
Em 1994, é publicada a Política Nacional de Educação Especial, orientando o processo de “integração instrucional” que condiciona o acesso às classes comuns do ensino regular àqueles que “(...) possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais” (p.19). Ao reafirmar os pressupostos construídos a partir de padrões homogêneos de participação e aprendizagem, a Política não provoca uma reformulação das práticas educacionais de maneira que sejam valorizados os diferentes potenciais de aprendizagem no ensino comum, mas mantendo a responsabilidade da educação desses alunos exclusivamente no âmbito da educação especial.
A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, no artigo 59, preconiza que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades; assegura a terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências; e assegura a aceleração de estudos aos superdotados para conclusão do programa escolar. Também define, dentre as normas para a organização da educação básica, a “possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado” (art. 24, inciso V) e “[...] oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames” (art. 37).
Em 1999, o Decreto nº 3.298, que regulamenta a Lei nº 7.853/89, ao dispor sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, define a educação especial como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino, enfatizando a atuação complementar da educação especial ao ensino regular.
Acompanhando o processo de mudança, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução CNE/CEB nº 2/2001, no artigo 2º, determinam que:
“Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (MEC/SEESP, 2001).”
As Diretrizes ampliam o caráter da educação especial para realizar o atendimento educacional especializado complementar ou suplementar à escolarização, porém, ao admitir a possibilidade de substituir o ensino regular, não potencializam a adoção de uma política de educação inclusiva na rede pública de ensino, prevista no seu artigo 2º.
O Plano Nacional de Educação – PNE, Lei nº 10.172/2001, destaca que “o grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana”. Ao estabelecer objetivos e metas para que os sistemas de ensino favoreçam o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos, aponta um déficit referente à oferta de matrículas para alunos com deficiência nas classes comuns do ensino regular, à formação docente, à acessibilidade física e ao atendimento educacional
especializado.
A Convenção da Guatemala (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.956/2001, afirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as demais pessoas, definindo como discriminação com base na deficiência toda diferenciação ou exclusão que possa impedir ou anular o exercício dos direitos humanos e de suas liberdades fundamentais. Este Decreto tem importante repercussão na educação, exigindo uma reinterpretação da educação especial, compreendida no contexto da diferenciação, adotado para promover a eliminação das barreiras que impedem o acesso à escolarização.
Na perspectiva da educação inclusiva, a Resolução CNE/CP nº 1/2002, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, define que as instituições de ensino superior devem prever, em sua organização curricular, formação docente voltada para a atenção à diversidade e que contemple conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais.
A Lei nº 10.436/02 reconhece a Língua Brasileira de Sinais – Libras como meio legal de comunicação e expressão, determinando que sejam garantidas formas institucionalizadas de apoiar seu uso e difusão, bem como a inclusão da disciplina de Libras como parte integrante do currículo nos cursos de formação de professores e de fonoaudiologia.
A Portaria nº 2.678/02 do MEC aprova diretrizes e normas para o uso, o ensino, a produção e a difusão do sistema Braille em todas as modalidades de ensino, compreendendo o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa e a recomendação para o seu uso em todo o território nacional.
Em 2003, é implementado pelo MEC o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, com vistas a apoiar a transformação dos sistemas de ensino em sistemas educacionais inclusivos, promovendo um amplo processo de formação de gestores e educadores nos municípios brasileiros para a garantia do direito de acesso de todos à escolarização, à oferta do atendimento
educacional especializado e à garantia da acessibilidade.
Em 2004, o Ministério Público Federal publica o documento O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular, com o objetivo de disseminar os conceitos e diretrizes mundiais para a inclusão, reafirmando o direito e os benefícios da escolarização de alunos com e sem deficiência nas turmas comuns do ensino regular.
Impulsionando a inclusão educacional e social, o Decreto nº 5.296/04 regulamentou as Leis nº 10.048/00 e nº 10.098/00, estabelecendo normas e critérios para a promoção da acessibilidade às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Nesse contexto, o Programa Brasil Acessível, do Ministério das Cidades, é desenvolvido com o objetivo de promover a acessibilidade urbana e apoiar ações que garantam o acesso universal aos espaços públicos.
O Decreto nº 5.626/05, que regulamenta a Lei nº 10.436/2002, visando ao acesso à escola dos alunos surdos, dispõe sobre a inclusão da Libras como disciplina curricular, a formação e a certificação de professor, instrutor e tradutor/intérprete de Libras, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua para alunos surdos e a organização da educação bilíngüe no ensino regular.
Em 2005, com a implantação dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação –NAAH/S em todos os estados e no Distrito Federal, são organizados centros de referência na área das altas habilidades/superdotação para o atendimento educacional especializado, para a orientação às famílias e a formação continuada dos professores, constituindo a organização da política de educação inclusiva de forma a garantir esse atendimento aos alunos da rede pública de ensino.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006 e da qual o Brasil é signatário, estabelece que os Estados-Partes devem assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social compatível com a meta da plena participação e inclusão, adotando medidas para garantir que:
a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de
deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob alegação de deficiência;
b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental inclusivo, de qualidade
e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem (Art.24).
Neste mesmo ano, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, os Ministérios da Educação e da Justiça, juntamente com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, lançam o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que objetiva, dentre as suas ações, contemplar, no currículo da educação básica, temáticas relativas às pessoas com deficiência e desenvolver ações afirmativas que possibilitem acesso e permanência na educação superior.
Em 2007, é lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, reafirmado pela Agenda Social, tendo como eixos a formação de professores para a educação especial, a implantação de salas de recursos multifuncionais, a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares, acesso e a permanência das pessoas com deficiência na educação superior e o monitoramento do acesso à escola dos favorecidos pelo Beneficio de Prestação Continuada – BPC.
No documento do MEC, Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas é
reafirmada a visão que busca superar a oposição entre educação regular e educação especial.
Contrariando a concepção sistêmica da transversalidade da educação especial nos diferentes níveis, etapas e modalidades de ensino, a educação não se estruturou na perspectiva da inclusão e do atendimento às necessidades educacionais especiais, limitando, o cumprimento do princípio constitucional que prevê a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e a continuidade nos níveis mais elevados de ensino (2007, p. 09).
Para a implementação do PDE é publicado o Decreto nº 6.094/2007, que estabelece nas diretrizes do Compromisso Todos pela Educação, a garantia do acesso e permanência no ensino regular e o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos, fortalecendo seu ingresso nas escolas públicas.

III – Diagnóstico da Educação Especial
O Censo Escolar/MEC/INEP, realizado anualmente em todas as escolas de educação básica, possibilita o acompanhamento dos indicadores da educação especial: acesso à educação básica, matrícula na rede pública, ingresso nas classes comuns, oferta do atendimento educacional especializado, acessibilidade nos prédios escolares, municípios com matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais, escolas com acesso ao ensino regular e formação docente para o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos.
Para compor esses indicadores no âmbito da educação especial, o Censo Escolar/MEC/INEP coleta dados referentes ao número geral de matrículas; à oferta da matrícula nas escolas públicas, escolas privadas e privadas sem fins lucrativos; às matrículas em classes especiais, escola especial e classes comuns de ensino regular; ao número de alunos do ensino regular com atendimento educacional especializado; às matrículas, conforme tipos de deficiência, transtornos do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação; à infra-estrutura das escolas quanto à acessibilidade arquitetônica, à sala
de recursos ou aos equipamentos específicos; e à formação dos professores que atuam no atendimento educacional
especializado.
A partir de 2004, são efetivadas mudanças no instrumento de pesquisa do Censo, que passa a registrar a série ou ciclo escolar dos alunos identificados no campo da educação especial, possibilitando monitorar o percurso escolar. Em 2007, o formulário impresso do Censo Escolar foi transformado em um sistema de informações on-line, o Censo Web, que qualifica o processo de manipulação e tratamento das informações, permite atualização dos dados dentro do mesmo ano escolar, bem como possibilita o cruzamento com outros bancos de dados, tais como os das áreas de saúde, assistência e previdência social. Também são realizadas alterações que ampliam o universo da pesquisa, agregando informações individualizadas dos alunos, das turmas, dos professores e da escola.
Com relação aos dados da educação especial, o Censo Escolar registra uma evolução nas matrículas, de 337.326 em 1998 para 700.624 em 2006, expressando um crescimento de 107%. No que se refere ao ingresso em classes comuns do ensino regular, verifica-se um crescimento de 640%, passando de 43.923 alunos em 1998 para 325.316 em 2006, conforme demonstra o gráfico a seguir: 337.326374.699382.215404.743448.601504.039566.753640.317700.624375.488293.403311.354300.520323.399337.897358.898371.383378.07435.136262.243195.370145.141110.70481.34481.69563.34543.9230100.000200.000300.000400.000500.000600.000700.000800.00019981999200020120022003200420052006Total de matrículasMatrículas em Escolas Especializadas e Classes EspeciaisMatrículas em Escolas Regulares/Classes ComunsEntre 1998 e 2006, houve crescimento de 640% das matrículas em escolas comuns (inclusão) e de 28% em escolas e classes especiais.
Quanto à distribuição dessas matrículas nas esferas pública e privada, em 1998 registra-se 179.364 (53,2%) alunos na rede pública e 157.962 (46,8%) nas escolas privadas, principalmente em instituições especializadas filantrópicas. Com o desenvolvimento das ações e políticas de educação inclusiva nesse período, evidencia-se um crescimento de 146% das matrículas nas escolas públicas, que alcançaram 441.155 (63%) alunos em 2006, conforme demonstra o gráfico: 63,0%60,0%57,0%54,8%53,3%51,1%54,5%52,3%53,2%37,0%40,0%43,0%45,2%46,7%48,9%45,5%47,7%46,8%0,0%10,0%20,0%30,0%40,0%50,0%60,0%70,0%199819992000200120022003200420052006PúblicasPrivadas
Com relação à distribuição das matrículas por etapa de ensino em 2006: 112.988 (16%) estão na educação infantil, 466.155 (66,5%) no ensino fundamental, 14.150 (2%) no ensino médio, 58.420 (8,3%) na educação de jovens e adultos, e 48.911 (6,3%) na educação profissional. No âmbito da educação infantil, há uma concentração de matrículas nas escolas e classes especiais, com o registro de 89.083 alunos, enquanto apenas 24.005 estão matriculados em turmas comuns.
O Censo da Educação Especial na educação superior registra que, entre 2003 e 2005, o número de alunos passou de 5.078 para 11.999 alunos, representando um crescimento de 136%. A evolução das ações referentes à educação especial nos últimos anos é expressa no crescimento de 81% do número de municípios com matrículas, que em 1998 registra 2.738 municípios (49,7%) e, em 2006 alcança 4.953 municípios (89%).
Aponta também o aumento do número de escolas com matrícula, que em 1998 registra apenas 6.557 escolas e, em 2006 passa a registrar 54.412, representando um crescimento de 730%. Das escolas com matrícula em 2006, 2.724 são escolas especiais, 4.325 são escolas comuns com classe especial e 50.259 são escolas de ensino regular com matrículas nas turmas comuns.
O indicador de acessibilidade arquitetônica em prédios escolares, em 1998, aponta que 14% dos 6.557 estabelecimentos de ensino com matrícula de alunos com necessidades educacionais especiais possuíam sanitários com acessibilidade. Em 2006, das 54.412 escolas com matrículas de alunos atendidos pela educação especial, 23,3% possuíam sanitários com acessibilidade e 16,3% registraram ter dependências e vias adequadas (dado não coletado em 1998). No âmbito geral das escolas de educação básica, o índice de acessibilidade dos prédios, em 2006, é de apenas 12%.
Com relação à formação inicial dos professores que atuam na educação especial, o Censo de 1998, indica que 3,2% possui ensino fundamental, 51% ensino médio e 45,7% ensino superior. Em 2006, dos 54.625 professores nessa função, 0,62% registram ensino fundamental, 24% ensino médio e 75,2% ensino superior. Nesse mesmo ano, 77,8% desses professores, declararam ter curso específico nessa área de conhecimento..

IV – Objetivo da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva tem como objetivo o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais especiais, garantindo:

Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior;

Atendimento educacional especializado;

Continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino;

Formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão escolar;

Participação da família e da comunidade;

Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação; e

Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas..

V – Alunos atendidos pela Educação Especial
Por muito tempo perdurou o entendimento de que a educação especial, organizada de forma paralela à educação comum, seria a forma mais apropriada para o atendimento de alunos que apresentavam deficiência ou que não se adequassem à estrutura rígida dos sistemas de ensino.
Essa concepção exerceu impacto duradouro na história da educação especial, resultando em práticas que enfatizavam os aspectos relacionados à deficiência, em contraposição à sua dimensão pedagógica. O desenvolvimento de estudos no campo da educação e dos direitos humanos vêm modificando os conceitos, as legislações, as práticas educacionais e de gestão, indicando a necessidade de se promover uma reestruturação das escolas de ensino regular e da educação especial.
Em 1994, a Declaração de Salamanca proclama que as escolas regulares com orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias e que alunos com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, tendo como princípio orientador que “as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras” (BRASIL, 2006, p.330).
O conceito de necessidades educacionais especiais, que passa a ser amplamente disseminado a partir dessa Declaração, ressalta a interação das características individuais dos alunos com o ambiente educacional e social. No entanto, mesmo com uma perspectiva conceitual que aponte para a organização de sistemas educacionais inclusivos, que garanta o acesso de todos os alunos e os apoios necessários para sua participação e aprendizagem, as políticas implementadas pelos sistemas de ensino não alcançaram esse objetivo.
Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a integrar a proposta pedagógica da escola regular, promovendo o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos.
A educação especial direciona suas ações para o atendimento às especificidades desses alunos no processo educacional e, no âmbito de uma atuação mais ampla na escola, orienta a organização de redes de apoio, a formação continuada, a identificação de recursos, serviços e o desenvolvimento de práticas colaborativas.
Os estudos mais recentes no campo da educação especial enfatizam que as definições e uso de classificações devem ser contextualizados, não se esgotando na mera especificação ou categorização atribuída a um quadro de deficiência, transtorno, distúrbio, síndrome ou aptidão. Considerase que as pessoas se modificam continuamente, transformando o contexto no qual se inserem. Esse dinamismo exige uma atuação pedagógica voltada para alterar a situação de exclusão, reforçando a importância dos ambientes heterogêneos para a promoção da aprendizagem de todos os alunos.
A partir dessa conceituação, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse.

VI – Diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
A educação especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular.
O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela.
Dentre as atividades de atendimento educacional especializado são disponibilizados programas de enriquecimento curricular, o ensino de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização e tecnologia assistiva. Ao longo de todo o processo de escolarização esse atendimento deve estar articulado com a proposta pedagógica do ensino comum. O atendimento educacional especializado é acompanhado por meio de instrumentos que possibilitem monitoramento e avaliação da oferta realizada nas escolas da rede pública e nos centros de atendimento educacional especializados públicos ou conveniados.
O acesso à educação tem início na educação infantil, na qual se desenvolvem as bases necessárias para a construção do conhecimento e desenvolvimento global do aluno. Nessa etapa, o lúdico, o acesso às formas diferenciadas de comunicação, a riqueza de estímulos nos aspectos físicos, emocionais, cognitivos, psicomotores e sociais e a convivência com as diferenças favorecem as relações interpessoais, o respeito e a valorização da criança.
Do nascimento aos três anos, o atendimento educacional especializado se expressa por meio de serviços de estimulação precoce, que objetivam otimizar o processo de desenvolvimento e aprendizagem em interface com os serviços de saúde e assistência social. Em todas as etapas e modalidades da educação básica, o atendimento educacional especializado é organizado para apoiar o desenvolvimento dos alunos, constituindo oferta obrigatória dos sistemas de ensino. Deve ser realizado no turno inverso ao da classe comum, na própria escola ou centro especializado que realize esse serviço educacional.
Desse modo, na modalidade de educação de jovens e adultos e educação profissional, as ações da educação especial possibilitam a ampliação de oportunidades de escolarização, formação para ingresso no mundo do trabalho e efetiva participação social.
A interface da educação especial na educação indígena, do campo e quilombola deve assegurar que os recursos, serviços e atendimento educacional especializado estejam presentes nos projetos pedagógicos construídos com base nas diferenças socioculturais desses grupos.
Na educação superior, a educação especial se efetiva por meio de ações que promovam o acesso, a permanência e a participação dos alunos. Estas ações envolvem o planejamento e a organização de recursos e serviços para a promoção da acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, nos sistemas de informação, nos materiais didáticos e pedagógicos, que devem ser disponibilizados nos processos seletivos e no desenvolvimento de todas as atividades que envolvam o ensino, a pesquisa e a extensão.
Para o ingresso dos alunos surdos nas escolas comuns, a educação bilíngüe – Língua Portuguesa/Libras desenvolve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na língua de sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita para alunos surdos, os serviços de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. O atendimento educacional especializado para esses alunos é ofertado tanto na modalidade oral e escrita quanto na língua de sinais. Devido à diferença lingüística, orienta-se que o aluno surdo esteja com outros surdos em turmas comuns na escola regular.
O atendimento educacional especializado é realizado mediante a atuação de profissionais com conhecimentos específicos no ensino da Língua Brasileira de Sinais, da Língua Portuguesa na modalidade escrita como segunda língua, do sistema Braille, do Soroban, da orientação e mobilidade, das atividades de vida autônoma, da comunicação alternativa, do desenvolvimento dos processos mentais superiores, dos programas de enriquecimento curricular, da adequação e produção de materiais didáticos e pedagógicos, da utilização de recursos ópticos e não ópticos, da tecnologia assistiva e outros.
A avaliação pedagógica como processo dinâmico considera tanto o conhecimento prévio e o nível atual de desenvolvimento do aluno quanto às possibilidades de aprendizagem futura, configurando uma ação pedagógica processual e formativa que analisa o desempenho do aluno em relação ao seu progresso individual, prevalecendo na avaliação os aspectos qualitativos que indiquem as intervenções pedagógicas do professor. No processo de avaliação, o professor deve criar estratégias considerando que alguns alunos podem demandar ampliação do tempo para a realização dos trabalhos e o uso da língua de sinais, de textos em Braille, de informática ou de tecnologia assistiva como uma prática cotidiana.
Cabe aos sistemas de ensino, ao organizar a educação especial na perspectiva da educação inclusiva, disponibilizar as funções de instrutor, tradutor/intérprete de Libras e guia-intérprete, bem como de monitor ou cuidador dos alunos com necessidade de apoio nas atividades de higiene, alimentação, locomoção, entre outras, que exijam auxílio constante no cotidiano escolar.
Para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área. Essa formação possibilita a sua atuação no atendimento educacional especializado, aprofunda o caráter interativo e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos, nos centros de atendimento educacional especializado, nos núcleos de acessibilidade das instituições de educação superior, nas classes hospitalares e nos ambientes domiciliares, para a oferta dos serviços e recursos de educação especial.
Para assegurar a intersetorialidade na implementação das políticas públicas a formação deve contemplar conhecimentos de gestão de sistema educacional inclusivo, tendo em vista o desenvolvimento de projetos em parceria com outras áreas, visando à acessibilidade arquitetônica, aos atendimentos de saúde, à promoção de ações de assistência social, trabalho e justiça.
Os sistemas de ensino devem organizar as condições de acesso aos espaços, aos recursos pedagógicos e à comunicação que favoreçam a promoção da aprendizagem e a valorização das diferenças, de forma a atender as necessidades educacionais de todos os alunos. A acessibilidade deve ser assegurada mediante a eliminação de barreiras arquitetônicas, urbanísticas, na edificação – incluindo instalações, equipamentos e mobiliários – e nos transportes escolares, bem como as barreiras nas comunicações e informações.

Proposta Curricular da Educação Especial SC

EDUCAÇÃO ESPECIAL

INTRODUÇÃO

Ao analisar o processo histórico da educação no Brasil, sua constituição e desdobramentos nos deparamos com o entendimento da educação especial enquanto um apêndice do sistema geral de ensino. O sentido a ela atribuído tem sido o de assistência a crianças e jovens deficientes e não o de educação de alunos que têm necessidades educativas especiais.
As exigências educacionais historicamente vêm determinando esta compreensão, fundamentada no entendimento de que somente o saber especializado garante o atendimento ao portador de deficiência. Por suas características intrínsecas, pode-se dizer que é considerado diferente da espécie, portanto não pode aproveitar os processos correntes de escolarização e integração social, necessitando de formas especiais para realizar o que os normais fazem de forma "espontânea".
A educação especial, por sua vez, tem desenvolvido seu trabalho pedagógico praticamente centrado nas peculiaridades desta população, reduzindo sua ação de tal forma que o fundamental de sua prática transita entre a abordagem clínica e a assistencial.
Quando busca adotar uma proposta de ensino, com conteúdos sistematizados, utiliza-se de métodos, técnicas e materiais didáticos diferentes dos usuais, pautada numa abordagem tecnicista, reducionista que prioriza a forma em detrimento do sujeito. Fundamentada numa concepção a-histórica, esta abordagem desconsidera o saber acumulado, espera dos alunos comportamentos definidos via memorização de conteúdos homogeneizados e considera a sociedade ideal como somatório de indivíduos que sabem gerenciar, controlar, administrar e planejar.
A educação especial, hoje, em busca da superação de sua condição de apêndice, participa no processo de discussão e redimensionamento da presente proposta curricular. Isto demarca um momento histórico importante na caminhada para efetivamente possibilitar um sistema educacional mais abrangente e menos excludente.

CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA DEFICIÊNCIA
Refletir a história, implica em desfazer-se do costumeiro entendimento relativizado de que todas as atitudes e formas de vida em sociedade são espontaneamente naturais, para compreendê-la enquanto produto de escolhas culturais que atendam às necessidades dos homens, num determinado contexto, numa determinada época, fundada no pressuposto de que o homem ao produzir sua vida, produz e satisfaz a cada dia novas necessidades.
No que diz respeito à escola, por exemplo, refletir sobre suas modificações não significa tomá-las como modificações metodológicas. Não foi "errado" usar palmatória, do mesmo modo que não é "certo" usar hoje a psicologia. São os homens que ao modificar o modo de produzir suas vidas, produzem novos métodos como expressão de suas próprias transformações. Estes novos métodos e novas atitudes não podem ser julgados "superiores" aos que os antecederam, porque não se está num julgamento, para saber qual deles é melhor. A preocupação nesta reflexão histórica não é encontrar coisas certas ou erradas, mas entender as questões e os homens que produzem estas questões em termos históricos.
Na Antigüidade clássica, a preocupação dos homens era descrever o movimento interno de cada coisa. A sociedade movia-se na busca daquilo que considerava perfeição: a arte, a ciência, a técnica da retórica. Portanto, a dedução, o silogismo, o raciocínio perfeito, argumentação sem erros e a forma de expressão sobre qualquer assunto eram fundamentais.
Embora este momento histórico não traga na literatura muitas referências quanto aos portadores de deficiência, é sabido que em Esparta crianças portadoras de deficiências físicas ou mentais eram consideradas sub-humanas, o que legitimava sua eliminação ou abandono. Portanto, pode-se dizer que não existia nenhum processo de interação com tais indivíduos.
Na Idade Média, passa-se da valorização do discurso e da argumentação à valorização do conhecimento religioso. Neste período foram fundadas as primeiras universidades, onde só podiam ser ensinados assuntos da Igreja por teólogos e sacerdotes.
Com a difusão do Cristianismo na Europa, a base das relações é teológica. A dicotomia Deus-Diabo, céu-inferno movem as idéias e os valores deste período histórico. Os deficientes começam a escapar do abandono e da exposição, passando a ser acolhidos em conventos ou igrejas sob a ambivalência castigo x caridade. Merecem o asilo cujas paredes convenientemente isolam e escondem o incômodo ou inútil.
As estruturas sociais eram definidas por leis divinas, sob domínio da igreja Católica, em que qualquer idéia ou pessoa que pudesse atentar a esta estrutura teria de ser exterminada. A Inquisição religiosa bem cumpriu este papel, quando sacrificou como hereges ou endemoniados milhares de pessoas, entre elas loucos, adivinhos, alucinados e deficientes mentais.
Na Reforma Luterana, o tratamento dado aos imbecis, idiotas e loucos não se diferencia muito da Inquisição católica, eles permanecem com uma rigidez ética carregada de culpa, porém com responsabilidade pessoal. A explicação reside na visão pessimista do homem, entendido como uma "besta demoníaca", quando lhe vem a faltar a razão ou ajuda divina.
Na Idade Moderna, o homem passa a ser entendido como animal racional, que trabalha planejando e executando atividades para melhorar o mundo dos homens e atingir a igualdade através da produção em maior quantidade. A apologia era o método experimental. Valoriza-se a observação, a testagem, as hipóteses. Encaminham-se esforços para descobrir as leis da natureza relegando-se a plano secundário as discussões sobre as leis divinas.
Com o surgimento do método científico iniciam-se estudos em torno das tipologias e com elas a mentalidade classificatória na concepção das deficiências, decorrente do modelo médico, impregnadas de noções com forte caráter de patologia, doença, medicação, tratamento...
A fatalidade hereditária ou congênita assume o lugar da danação divina, para efeito de prognóstico. A ineducabilidade ou irrecuperabilidade do idiota é o novo estigma, que vem substituir o sentido expiatório e propiciatório que a deficiência recebera durante as negras décadas que antecederam a medicina, também supersticiosa. O médico é o novo árbitro do destino do deficiente. Ele julga, ele salva, ele condena. (PESSOTI, 1984, p. 68)
Na Idade Contemporânea, o problema crucial é o próprio homem na sociedade. Não é o método de pensar dedutivo, não é a associação entre fé e razão, não é trabalho, não é a técnica, mas sim o homem na sociedade o conteúdo central do questionamento deste período.
Com base nesta compreensão, as atitudes para com os portadores de deficiência se modificam nesta nova sociedade, na medida em que vão sendo oferecidas oportunidades educacionais e de integração social até chegar aos dias atuais, em que sua integração se efetiva ou está em vias de se concretizar.
Embora a fase clínico/assistencialista não possa ainda ser considerada como passado, o presente vê crescer e se fortalecer ideais da ética contemporânea: integração e direitos.
O homem passa a ser pensado através das relações que mantém com outros homens na sociedade.
Beneficiando-se (ou ajudando a promover?) de toda uma reavaliação dos direitos humanos e na esteira que inclui a mulher, a criança, o índio, o negro, o idoso... a pessoa com necessidades especiais pode começar a ser olhada e a olhar para si mesma, de forma menos manequeísta: nem herói nem vítima, nem deus nem demônio, nem melhor nem pior, nem super-homem nem animal. Pessoa (AMARAL, 1994, p. 15)

A Integração: implicações históricas em suas múltiplas dimensões
-Papai, eu e R. vamos ficar noivos no mês que vem.
-Nunca! Só por cima do meu cadáver.
Aos gritos, andando pela sala, atropelando os móveis, o homem externaliza em gestos incoerentes o furor contido. Num esforço, sobrehumano, controla os movimentos e organiza as frases de forma que pareçam coerentes e racionais:
-Filho, pense bem. Você está sendo um ingênuo ao se amarrar ao primeiro rabo-de-saia que aparece. Uma aleijada!
-Mas pai...
-Nem mais, nem meio mas. Moças como R. devem ficar bem trancafiadas em instituições das quais não possam sair. Para que não venham para o nosso mundo roubar os nossos filhos. Casar com meu filho! Perfeito, inteligente, culto, formado...
Dramalhão mexicano? Novela de rádio? Folhetim barato? NÃO. Depoimento de carne e osso da depoente. Episódio que pode ser reescrito com personagens os mais variados, cenários diversos, nuances intermináveis.
Mas por que iniciar assim as reflexões sobre a integração da pessoa deficiente? Porque para falar de integração é preciso caracterizar também o seu contrário: a segregação.
No episódio acima, o pai, sem máscaras, sem disfarces ou eufemismos, posiciona-se claramente pela segregação. (AMARAL, 1994:39)
Na década de 80, importantes movimentos em favor dos direitos civis provocaram iniciativas em torno da integração da pessoa com necessidades especiais na sociedade.
Na prática, o rompimento com os modelos segregadores (ruptura esta não tão efetiva) resultou em iniciativas voltadas à integração no âmbito escolar.

O Estado de Santa Catarina confirma esta tendência, na medida em que as iniciativas integracionistas aqui desenvolvidas, já desde o início da Educação Especial, através da Fundação Catarinense de Educação Especial, tem priorizado ao longo de sua história o aprimoramento das ações voltadas à integração escolar.
Este movimento foi desencadeado de forma mais consistente a partir de 1987, com a reformulação do sistema estadual de ensino, que garantiu a efetivação da política de integração da pessoa com necessidades especiais, na rede comum de escolarização, a partir da deflagração da matrícula compulsória, estabelecida no plano para a campanha de matrícula escolar da Secretaria da Educação – 1987-1991.
Concomitante à campanha de matrícula, deu-se início à discussão e produção da Proposta Curricular do Estado, cujo princípio norteador, sustentado nos pressupostos da perspectiva histórico-cultural, propõe a socialização do conhecimento (científico, erudito e universal) porque fruto da produção do homem, implicando desta forma em sua universalização. E neste prisma a proposta assume que, ou se escolariza todos ou não se trabalha para a socialização do conhecimento, e quando se fala de todos, os portadores de necessidades especiais estão necessariamente incluídos.
O movimento de integração então desencadeado veio constituindo uma trajetória pontuada por vários movimentos, sustentados na prática cotidiana da escola por diferentes concepções de aprendizagem, e que revelam não haver exorcizado de todo o fantasma da estigmatização. Apesar de assimilado o princípio constitucional da "Educação para todos", a cultura escolar, através de suas práticas e conteúdos dominantemente estabelecidos, não abre espaços para a massa diversificada de alunos, com desigual capital de origem familiar e social, com desiguais expectativas e interesses que se enfrentam com conteúdos e ritos pedagógicos de transmissão de conhecimento homogeneizados.
A política de integração praticada neste período entendia que com a garantia do acesso e estruturação paralela de serviços de educação especial (salas de recursos, classes especiais e salas de apoio pedagógico) estaria assegurada a integração plena da pessoa com necessidades especiais. Integração esta analisada de um ponto de vista instrucional, cujo paradigma sustentava-se na avaliação, planejamento e intervenção centrada no aluno.
Uma das posições assumidas, originária da crença nas capacidades inatas, conduzia a uma leitura centrada na deficiência do sujeito, por se acreditar na impossibilidade de transformação por traços comportamentais e pela capacidade intelectual.

Camuflada sob o disfarce das aptidões, da prontidão e do coeficiente de inteligência, estas posições acabaram por produzir uma "suposta integração", dando lugar a uma exclusão velada: havia convicção de que as diferenças não seriam superáveis pela educação, gerando imobilismo e resignação.
A forma como os educadores se referem à "aptidão" das crianças é, potencialmente, uma forma insidiosa de discriminação. Assim, embora não mais apoiemos o uso dos testes de inteligência para determinar a aptidão e o potencial de aprendizagem das crianças, a linguagem do teste de inteligência ainda é utilizada em abundância. Isso pode, nos exemplos mais negativos, levar as crianças a serem, bastante arbitrariamente, identificadas como alguém a quem falta inteligência ou aptidão, com a conseqüência inevitável de que as expectativas para sua aprendizagem futura sejam baixas. (SOLITY 1991, p.15)
Uma outra posição atribuía exclusivamente aos fatores externos a origem da constituição da singularidade do ser humano, concebendo-o como produto da ação modeladora do meio ambiente. Nessa perspectiva, a "deficiência" do sujeito também é imutável, fundada na pressuposição de que se trata de um indivíduo passivo que tem seu comportamento moldado, manipulado, controlado e determinado pelas pressões do ambiente.
Assim sendo, a escola se isenta de uma avaliação interna e não se vê como co-participante no processo de uma efetiva inclusão deste indivíduo, por acreditar na sua incapacidade de modificar-se.
Este entendimento contribuiu no máximo para uma inserção espacial ou "integração física", na medida em que desconsidera as relações sociais que permeiam o processo de aprendizagem.
A partir da última década, o processo de integração, analisado sob um prisma dinâmico e multidimensional, fruto da reflexão teórico-prática e do aprofundamento da concepção histórico-cultural com ênfase nas contribuições de L.S. Vygotsky, conduzem a um redimensionamento da concepção de integração.
Vygotsky, fornece uma base de abordagem bastante relevante para a compreensão de que as deficiências corporais afetam antes de tudo as relações sociais destes indivíduos e não suas interações diretas com o ambiente físico.
Cabe destacar alguns temas que constituem o núcleo de sua teoria e contribuem significativamente para a produção de novos significados no processo de inclusão da pessoa com necessidades especiais:
• os processos psicológicos superiores têm sua origem em processos sociais e têm natureza social, numa visão de constituição mútua de fenômenos individuais e sociais;
• a concepção do processo de conhecimento implica relação entre sujeito e o objeto a ser conhecido, necessariamente mediada por outro sujeito;
• a criança cujo desenvolvimento se complicou por um defeito não é sensivelmente menos desenvolvida do que as normais, é uma criança com outro desenvolvimento.
Sob este prisma, é impossível pensar que o sucesso ou fracasso na aprendizagem do sujeito está unicamente vinculado a sua capacidade ou incapacidade individual inata. É na relação com o outro, numa atividade prática comum que este, por intermédio da linguagem, acaba por se constituir enquanto sujeito.
A idéia chave que se encontra na origem da teoria, postulando as relações entre as interações sociais e o desenvolvimento cognitivo, vem revolucionar o processo educativo dos portadores de deficiência, seja na escola especial ou regular.
No que se refere a esta última, a abordagem da aprendizagem escolar em termos de interação social traz à reflexão o redimensionamento do processo de ensino até então estruturado com base na comportamentalização do conhecimento, organização de turmas homogêneas, padronização da avaliação, fatores que, entre outros, conduzem à expulsão e marginalização contundente do diverso. Neste sentido, a dimensão interativa evidencia a heterogeneidade como fator imprescindível no contexto escolar, na medida em que a vivência, a troca e a ação entre parceiros de diferentes possibilidades, experiências e comportamentos, oportunizam não só o conhecimento do outro e produção de conhecimento com o outro como fundamentalmente a possibilidade de aprender a olhar de frente a diferença/deficiência; a conviver e
compartilhar com a dessemelhança, a desmontar moldes pré-estabelecidos, adquirindo assim um caráter estruturante na constituição dos sujeitos em suas múltiplas dimensões.
Na esteira desta concepção, cabe refletir sobre o papel das escolas especiais.
Sabe-se que em função das condições específicas de alguns alunos com maiores limitações, impostas pela deficiência, nem sempre é possível sua inclusão no espaço da escola regular, sendo necessária ainda uma educação em escola especial. Entretanto, este contexto "especial" vem exigindo dos educadores o estabelecimento de um quadro de referência que supere a intervenção ativista assistencial ou clínica.
As escolas especiais não podem ser apenas locais onde se atendam os alunos nas suas necessidades físicas. As escolas especiais precisam estar ocupadas com o desenvolvimento intelectual de seus alunos pois se assim não fosse, não poderiam ser consideradas escolas. (HENTZ, 1996, p. 3).
Mais recentemente, esta questão tem sido alvo de reflexão no seio da escola especial, em razão do acesso aos pressupostos da abordagem histórico-cultural, cujas contribuições, apontam que as funções psíquicas do indivíduo não podem ser desvinculadas da apropriação do legado cultural da humanidade.
... a apropriação cultural se dá, de forma ampla, no e pelo processo educativo e, de forma mais restrita, no e pelo ensino, por parte de adultos ou companheiros mais experientes, das conquistas das gerações precedentes. Desta maneira, o desenvolvimento cognitivo depende tanto do conteúdo a ser apropriado como das relações que se estabelecem ao longo do processo de educação e ensino. (DAVIS,1989, p. 50)
Neste entendimento, não cabe pensar em escola especial senão aquela com um projeto político-pedagógico que possibilite o acesso ao conhecimento das diferentes áreas mediante a utilização de caminhos, recursos e estratégias alternativos que possibilitem o alargamento das capacidades cognitivas de seus alunos.
Importante enfatizar entretanto, que esta escola, ao promover a apropriação e produção de conhecimento, propicie interações sociais, uma vez que nada garante que elas se dêem espontaneamente, que assegurem aos alunos o direito de pensar, expressar seu pensamento, entabular negociações, criar argumentos a partir de discussões realizadas, buscar soluções comuns a partir de contribuições diversas. Tais interações são, pouco freqüentes na educação em geral e, particularmente, na especial.
Desta maneira, é relevante observar as condições que garantam as interações sociais, o que atribui ao professor um papel fundamental, como um dos interlocutores mais experiente na tarefa de tornar as interações sociais um processo formativo e constitutivo de um novo saber.
Debates, questionamentos, ilustrações, explicações, justificativas, extrapolações, generalizações e inferências são presença obrigatória nas interações sociais que se quer nas escolas, contribuindo para que se alcance uma concepção de homem, mundo e sociedade mais flexível, menos ideológica e menos alienante. (DAVIS, 1989, p. 54).
Pressupostos Viabilizadores do Processo de Inclusão
Os pressupostos filosóficos e metodológicos da presente proposta, nos seus diferentes saberes, tais como: educação infantil, alfabetização, avaliação, educação e trabalho, tecnologia educacional, disciplinas do curso de magistério e todas as demais áreas do conhecimento constituir-se-ão nos mecanismos que darão sustentação a uma prática pedagógica inclusiva.
Profissionais da FCEE, entendendo que a educação especial não pode ser encarada no presente documento como um capítulo ou um currículo a parte, adotaram como procedimento discutir as questões relativas à educação de pessoas com necessidades especiais no contexto e espaço de produção dos documentos norteadores dos diversas áreas do conhecimento acima citadas.

As questões fundamentais que vêm permeando as discussões da escola num contexto mais amplo sobre sua função social e conseqüente prática pedagógica não estão dissociados das preocupações que perpassam as práticas cotidianas da escola especial em busca de desvendar suas reais finalidades.
De que forma a escola pode se organizar e estruturar sua prática pedagógica no sentido de viabilizar a apropriação do conhecimento?
Como superar mecanismos de avaliação baseados em requisitos prévios e classicatórios? Que relações de ensino-aprendizagem devem ser estabelecidas a fim de formar cidadãos atuantes no processo de transformação da sociedade? Qual a função do professor no espaço de sala de aula?
Estas interrogações, inquietações e dúvidas nos remetem aos posicionamentos assumidos e aprofundados na presente proposta no que diz respeito a concepções de currículo, avaliação, alfabetização, relações de ensino, aprendizagem, projeto político pedagógico, educação e trabalho dentre outros, que servirão de subsídios à construção da proposta pedagógica para a educação de pessoas com necessidades especiais.
Algumas destas idéias podem ser aqui delineadas na perspectiva de constituírem-se no eixo condutor do redimensionamento da prática pedagógica:
• O processo dialético de construção e reconstrução do conhecimento deve ser permanentemente produzido em conjunto por alunos e professores como tentativa de responder aos desafios de suas realidades e de lutar por uma sociedade mais igualitária.
• Enfatizar a produção de conhecimento no currículo demanda uma transformação substancial nas relações e na hierarquia da escola e da sala de aula; isto significa dizer que há necessidade de discussão coletiva e participação ampla de todos.
• A seleção e organização dos conteúdos que devem fazer parte deste currículo é tarefa de cada escola, entendendo-se o espaço da sala de aula como um lugar de confronto de diferentes saberes (saber do aluno, do livro e do professor). Não se trata de abandonar os conteúdos acadêmicos nem tampouco imortalizá-los, mas de definir novos critérios para articulá-los.
Basear o currículo nas disciplinas tradicionais não garante a formação de cidadãos ativos, participantes e responsáveis.(...) Trata-se de verificar crítica e cuidadosamente se há espaço para elas no currículo e, se concluímos que há, trata-se, então, de analisá-los, de desmistificar sua neutralidade, de entender suas origens, seus elementos ideológicos e de reorientá-los... (MOREIRA, s.d. p.83).
• A avaliação, enquanto constituidora e subsidiadora do processo ensino-aprendizagem, pode ser entendida como uma prática pedagógica que norteia a ação do educador, indicando-lhe caminhos e refletindo sua ação junto os alunos. Professores e alunos devem aprender com a avaliação, identificando de forma transparente os objetivos, o projeto educativo proposto, distinguindo claramente suas dificuldades, suas possibilidades.
A tentativa de superação das dificuldades do aluno é uma tarefa educativa que a avaliação pode realizar quando conduzida num movimento dialético. Isto não significa dizer que o processo de avaliação tenha um caráter menos rígido e menos efetivo. Significa que haja um real compromisso com a construção do conhecimento como processo de apropriação do trabalho realizado pelo professor e pelo aluno. Nesta perspectiva, a escola busca trabalhar na direção da heterogeneidade, possibilitando lugar e espaço para as diversidades.
A expectativa de todo ser humano é de se apropriar do conhecimento sistematizado que é ensinado no espaço escolar. A impossibilidade de acesso e apropriação deste conhecimento restringe a ação e identificação do sujeito no seu grupo social.
As pessoas com necessidades especiais, por terem impresso o estigma da incapacidade, têm vivido no decorrer da história a negação do acesso a este conhecimento. Isto implica numa dupla tarefa de rompimento: a primeira diz respeito a condição de deficiência como incapacidade e a segunda a condição de analfabeto. A escola pode contribuir significativamente para esta ruptura, se definir como proposta uma alfabetização que gere espaço para o dizer, o ouvir, o negociar, o discordar, o ajudar.

Para a pessoa com necessidades especiais, apropriar-se da linguagem escrita por exemplo, pode significar um importante salto no desenvolvimento, resultando em mais um instrumento de interação social.
Ao colocar o aluno diante da experiência interativa de produção e apropriação de diferentes linguagens, fazendo uso, praticando, conhecendo, questionando, a escola viabiliza o entendimento da base do desenvolvimento do pensamento abstrato.
Precisamente porque a criança com deficiência mental chega com dificuldades a dominar o pensamento abstrato, a escola deve desenvolver esta habilidade por todos os meios possíveis. A tarefa da escola em resumidas contas consiste não em adaptar-se ao defeito, senão em vencê-lo.
(...) A tentativa de nossos programas, de proporcionar à criança com deficiência mental uma concepção científica de mundo, de descobrir diante dele as relações entre os fenômenos fundamentais da vida, as relações de uma ordem não concreta e de formar nele, durante a aprendizagem escolar, a atitude consciente diante da vida futura, é para a pedagogia uma experiência de importância histórica. (VYGOTSKY, 1989, p. 116).


BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Lígia Assunção. Pensar a diferença/deficiência. Brasília: CORDE, 1994.
BUENO, José Geraldo Silveira. Educação Especial Brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC, 1993.
DANIELS, Harry (org.) Vygotsky em foco: pressupostos e desdobramentos. 2.ed. Campinas: Papirus, 1995.
DAVIS, Claúdia. Papel e valor das Interações Sociais em Sala de Aula. Cadernos Pesquisa, São Paulo (71):49-54, nov. 1989.
FERRI, Cássia. Diversidade nas diferentes áreas do conhecimento. Florianópolis, 1996 (mimeo).
FERREIRA, Júlio Romero. A construção escolar da deficiência mental. Piracicaba Ed. Unimep, 1989.
FIGUEIRA, Fani Goldfarb. Reflexões sobre a História. Mato Grosso do Sul, 1995 (mimeo).
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre Manipulação da identidade deteriorada. 4 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
HENTZ, Paulo O espaço da Educação Especial na proposta curricular.
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KOZULIN, Alex. La psicologia de Vygotsky. Madrid: Alianza Editorial, 1981.
PADILHA, Anna Maria Lunardi. O encaminhamento de crianças para a classe especial:possibilidades de histórias ao contrário. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1994 (Dissertação de Mestrado)
PESSOTTI, Isaias. Deficiência Mental: da Superstição à Ciência. São Paulo: Queiroz/EDUSP. 1984.
REGO, Tereza Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico cultural da Educação. 3ed. Petropolis: Vozes, 1995.
SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação e Desporto. PropostaCurricular. Florianópolis: SED, 1991.
VYGOTSKY, Lev. S. A Formação Social da Mente. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
VYGOTSKY, Lev. S. et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Icone: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.
VYGOTSKY, Lev. S. Obras completas. Ciudad de La Habana: Editorial Pueblo y Educación , 1989.
WERTSCH, J.V. Vygotsky y la formacion social de la mente. Barcelona: Pardos, 1988.

Pensamento e Linguagem

Pensamento e Linguagem

A interação entre o pensamento e a linguagem
Sabemos que diferentes línguas possuem estruturas lexicais e sintáticas diferentes. Essas diferenças, geralmente, refletem as diferenças no ambiente físico e cultural no qual as línguas surgiram e se desenvolveram. Um conceito relevante a essa questão é o do determinismo lingüístico, também chamado de hipótese Sapir-Whorf, que afirma que os pensamentos das pessoas são determinados pelas categorias permitidas pela língua, e na sua versão mais fraca, a relatividade lingüística, afirma que as diferenças entre as línguas causam diferenças nos pensamentos de seus falantes.
Nas palavras de Pinker: "Na qualidade de cientista cognitivo posso me dar o direito de ser presunçoso e afirmar que o senso comum está correto (o pensamento é diferente da linguagem) e que o determinismo lingüístico é um absurdo convencional." (2002, p.75)
"Mas isso é falso, completamente falso. A idéia de que o pensamento seja a mesma coisa que a linguagem é um exemplo do que se pode chamar de absurdo convencional: uma afirmação totalmente contrária ao senso comum mas em que todos acreditam porque têm uma vaga lembrança de tê-la escutado am algum lugar e porque ela tem tantas implicações. [...] Todos tivemos a experiência de enunciar ou escrever uma frase, parar e perceber que não era exatamente o que queríamos dizer. Para que haja esse sentimento, é preciso haver um 'o que queríamos dizer' diferente do que dissemos. Nem sempre é fácil encontrar as palavras que expressam adequadamente um pensamento." (2002, p.62)
Deficientes auditivos completamente destituídos de linguagem são um claro exemplo de pensamento sem linguagem. Além disso, muitas pessoas criativas afirmam que em seus momentos mais inspirados pensam com imagens mentais, e não com palavras. Lui Chi Kung, um famoso pianista, ficou preso durante sete anos, e quando finalmente saiu da prisão, tocava melhor que antes. Lui afirma ter ensaiado todos os dias, mentalmente, na prisão. Muitas atletas treinam mentalmente antes das competições e até o exército americano já utilizou essa técnica para treinar os seus soldados. Os físicos afirmam que seu pensamento é geométrico e não-verbal. O mais famoso auto-intitulado pensador visual foi Albert Einstein chegou a algumas de suas descobertas se imaginando montado num facho de luz e olhando para um relógio situado atrás, ou deixando cair uma moeda dentro de um elevador em queda.
Para Vygotsky (1991), o pensamento e a palavra não são ligados por um elo primário, mas, ao longo da evolução do pensamento e da fala, tem início uma conexão entre ambos, que se modifica e se desenvolve. Segundo ele, o fato mais importante revelado pelo estudo genético do pensamento e da fala é que a reação entre ambos passa por várias mudanças. O progresso da fala não é paralelo ao progresso do pensamento. As curvas de crescimentos de ambos cruzam-se muitas vezes; podem atingir o mesmo ponto e correr lado a lado, e até mesmo fundir-se por algum tempo, mas acabam se separando novamente. Isso se aplica tanto à filogenia como à ontogenia.
Com base na abordagem genética do desenvolvimento da linguagem, Vygotsky (in SOUZA, 2001) observa que o pensamento da criança pequena inicialmente evolui sem a linguagem; assim como os seus primeiros balbucios são uma forma de comunicação sem pensamento. Entretanto, já nos primeiros meses, na fase pré-intelectual, a função social da fala já é aparente: a criança tenta atrair a atenção do adulto por meio de sons variados. Até por volta dos dois anos, a criança possui um pensamento pré-lingüístico e uma linguagem pré-intelectual, mas a partir daí, eles se encontram e se unem, iniciando um novo tipo de organização do pensamento e da linguagem. Nesse momento, surge o pensamento verbal e a fala racional. A criança descobre que cada objeto tem seu nome e a fala começa a servir ao intelecto e os pensamentos começam a ser verbalizados.
Assim, segundo Vygotsky, o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, pelos instrumentos lingüísticos do pensamento e pela experiência sócio-cultural da criança.

Bilingüismo
Segundo Stenberg (2000), existe questões que fascinam os psicolingüistas: "se uma pessoa pode falar e pensar em duas línguas, essa pessoa pensa diferentemente em cada língua? Realmente, os bilíngües - pessoas que falam duas línguas - pensam de modo diferente dos monolíngues - pessoas que podem falar apenas uma língua?"
James Cummins (1976 in STENBERG, 2000) sugeriu que existem dois tipos de bilingüismo, o aditivo e o substrativo. No aditivo, a segunda língua é relativamente bem desenvolvida em relação a primeira, no substrativo, elementos da segunda língua substituem elementos da primeira língua. No primeiro caso, o funcionamento cognitivo seria aumentado, no segundo diminuído. Assim, para o bilingüismo ser benéfico as pessoas precisam ter uma competência relativamente alta nas duas línguas.
Alguns psicólogos cognitivos, interessam-se em descobrir como as duas línguas são representadas na mente do bilíngüe. A hipótese do sistema único sugere que as duas línguas são representadas num único sistema, já a hipótese do sistema dual, que as mesmas são representadas, de alguma forma, num sistema dual.
Um meio de estudar essa questão é a análise de cérebros lesionados de pessoas bilíngües. Se uma lesão numa parte específica do cérebro provocar prejuízo quase igual nas duas línguas, poderíamos deduzir que o sistema é único, caso contrário, seria dual. No entanto, os resultados das pesquisas não apresentam respostas conclusivas, porém, acredita-se que exista alguma dualidade estrutural. (STENBERG, 2000)
Estudos feitos por Geroge Ojemann e Harry Whitaker (1978 in STENBERG, 2000) no córtex de dois pacientes epiléticos, através de estimulação elétrica, indicam que alguns aspectos das duas línguas podem ser representados unificadamente, enquanto outros podem ser representados separadamente. Os resultados também sugerem que a língua mais fraca era representada de forma mais difusa através do córtex que a língua mais forte.
Resumindo, as duas línguas parecem compartilhar alguns aspectos da representação mental. Para alcançarmos os benefícios do aprendizado de uma segunda língua, ela deve ser bem aprendida e a pessoa deve estar num ambiente onde esta língua irá acrescentar-se a sua primeira língua.
O bilingüismo não é uma conseqüência infalível do contato lingüístico entre grupos de línguas diferentes. Às vezes, a língua do grupo dominante pode se superimposta à língua do grupo subordinado, de tal forma que o vocabulário e a sintaxe do primeiro se incorporem à língua do segundo. Com o passar do tempo, essa mistura - uma crioula - transforma-se na língua nativa do povo subordinado. Uma outra conseqüência poderia ser o surgimento do pidgin, um meio simples de comunicação formado pela mistura rudimentar da sintaxe e do léxico das duas (ou mais) línguas.

Para saber mais:
Livros e publicações:
PINKER, Steven. O instinto da linguagem: como a mente cria a linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
SCHÜTZ, Ricardo. Vygotsky & language acquisition. Disponível em: Acessado em: 18 ago. 2002.
SOUZA, Solange Jobim e. Infância e Linguagem: Baktin, Vygotsky e Benjamin. 6. ed. São Paulo: Papirus, 2001.
STENBERG, Robert J. Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000.
VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e Linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. Série Psicologia e Pedagogia.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Adequações Curriculares

Adequações Curriculares
Por: João Pereira
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Um grande número de alunos com necessidades educativas especiais exibe um conjunto de problemáticas que, por não serem consideradas de carácter prolongado, ou seja, possuir “incapacidade ou incapacidades que se reflictam numa ou mais áreas de realização de aprendizagens, resultantes de deficiên­cias de ordem sensorial, motora ou mental, de perturbações da fala e da linguagem, de perturbações graves da personalidade ou do comportamento ou graves pro­blemas de saúde”, não lhe é oferecido a modalidade de educação especial (Dec.-Lei n.º 6/2001, art. 10º). Só aos alunos com necessidades educativas especiais de carácter prolongado/permanente é oferecido adequações curriculares significativas, consubstanciadas em currículos alternativos ou próprios, orientados para aprendizagens de conteúdos específicos, únicas alternativas possíveis para beneficiarem da inclusão na escola regular que lhes proporciona a aquisição de conteúdos/competências ou comportamentos específicos que visam tornar o aluno mais autónomo.

Este grupo de alunos, embora não beneficiando de adequações curriculares significativas, tem direito a adequações curriculares que não prejudiquem o cumprimento dos objectivos gerais do Ciclo, ou seja, adaptações que seguem o currículo normal e não podem pôr em causa as medidas do regime educativo comum.

Atendendo ao quadro do desenvolvimento da autonomia das escolas, que estabelece que “as estratégias de desenvolvimento do currículo nacional, visando adequá-lo ao contexto de cada escola, são objecto de um projecto curricular de escola, concebido, aprovado e avaliado pelos respectivos órgãos de administração e gestão” (Dec.-Lei n.º 6/2001, art. 2º, p: 3), o qual deverá ser desenvolvido, “em função do contexto de cada turma, [sendo] objecto de um projecto curricular de turma, concebido, aprovado e avaliado pelo professor titular de turma, em articulação com o conselho de docentes, ou pelo conselho de turma, consoante os ciclos” (Dec-Lei n.º 6/2001, art. 2º, p: 4), verifica-se a exigência de procedimentos adequados.

Sendo o Currículo Nacional do Ensino Básico (CNEB) “o conjunto de aprendizagens e competências a desenvolver pelos alunos ao longo do ensino básico, de acordo com os objectivos consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo” (Dec.-Lei n.º 6/2001, art. 2º, p: 1), é com base neste documento que se deve desenrolar todo o processo. Neste Dec.-Lei faz-se também referência ao projecto curricular que dá cumprimento ao estabelecido no CNEB, através do qual se adequam as estratégias de desenvolvimento do currículo a cada escola e posteriormente a cada turma. Este, o projecto curricular, surge assim em duas vertentes distintas mas correlacionadas: o projecto curricular de escola (PCE) e o PCT.

Desta forma, o PCE é um documento onde constam as estratégias de desenvolvimento do currículo nacional e o PCT, que decorre do anterior, é um documento onde constam as estratégias de concretização e desenvolvimento do CNEB e do Projecto Educativo de Escola (PEE).

Atendendo a que o CNEB é um conjunto de aprendizagens/competências que os alunos devem desenvolver ao longo do ensino básico, o PCT deve estruturar-se segundo princípios orientadores, sob os quais se organiza e gere o próprio currículo e em torno da autonomia e diferenciação, que a gestão flexível do currículo permite.

A elaboração do PCT permite, dentro dos limites impostos pelo CNEB, fazer diferenciação pedagógica, isto é, organizar e gerir de forma autónoma o processo de ensino/aprendizagem tendo por base a autonomia implícita na prática do professor e as exigências subjacentes às características dos alunos da turma. Por seu turno, a gestão flexível do currículo, que passa pela tomada de decisões para que todos aprendam, faz-se através da adequação, da diferenciação e da flexibilização do próprio currículo. Esta prática exige a análise de cada situação e permite a diversificação das práticas metodológicas de ensino obedecendo a alguns critérios metodológicos que lhe conferem o rigor e a autenticidade indispensáveis à sua formalização. São também fundamentais as competências definidas para a escolaridade obrigatória, organizadas em três grandes blocos: de carácter geral, transversal e essencial. Estas competências, por sua vez, não são independentes, elas interligam-se, interagem e interceptam-se mutuamente. É desta intercessão, verificada em cada momento de desenvolvimento do aluno, que decorre o contributo para a formação pessoal, social, académica, no geral da literacia do aluno.

O PCT é, acima de tudo, uma proposta de acção que visa, por um lado simplificar o trabalho dos professores e, por outro, promover as aprendizagens dos alunos. Simplifica, na medida em que permite conhecer a turma profundamente, contém orientações precisas, serve de suporte ao trabalho de professores e alunos e permite controlar as aprendizagens. Promove as aprendizagens porque permite flexibilizar, diferenciar e adequar as estratégias e métodos às necessidades dos alunos bem como adequar as práticas dos professores. É, assim, um documento elucidativo da acção pedagógica desenvolvida, durante o ano lectivo, por professores e alunos. Digamos que é um “diário” da turma porque dele consta o potencial determinante do ensino e da aprendizagem, resultante das capacidades, pensamentos e acções de professores e alunos.

Este documento, o PCT, permite também que se verifique diferenciação pedagógica, ou seja, a resposta dada a um leque, mais ou menos diversificado, de capacidades da turma, prevendo que os alunos não tenham que estudar as mesmas coisas ao mesmo tempo, ao mesmo ritmo e sempre da mesma maneira. Sabemos já que diferenciação pedagógica ou modificações é gerir e organizar o processo de ensino/aprendizagem de forma autónoma, mas só um conhecimento preciso da turma permite fazer essa diferenciação. A diferenciação reside na adequação das estratégias de ensino encontradas pelo professor para se aproximar das estratégias de aprendizagem de cada aluno. Desta forma não há lugar para metodologias de exclusão mas sim para metodologias de inclusão onde há respeito pela diferença e pelos ritmos de aprendizagem, isto é, onde o que importa é a individualidade de cada aluno e não a turma em si. Um professor que diferencia, compreende a necessidade dos alunos expressarem humor, trabalharem em grupo, beneficiarem de ensino supletivo num domínio particular, aprofundarem mais um dado assunto ou ainda terem apoio na abordagem e leitura do excerto de um texto – sendo que o professor responde activa e positivamente a essa necessidade.
A diferenciação pedagógica resume-se simplesmente à prestação de atenção às necessidades de aprendizagem de um aluno em particular, ou de um pequeno grupo de alunos (ao nível das competências, conteúdos, metodologias e avaliação), em vez do modelo mais típico de ensinar uma turma como se todos os indivíduos nela integrados tivessem características semelhantes:

Elementos Curriculares

Ao nível das Competências
Tradicionalmente

- Dirigidas para o puramente cognitivo.
- Pensadas para o aluno médio.
- Identificadas com os conteúdos académicos.
Modificações

- Diversificadas, definindo as mínimas, e outras individualizadas para cada aluno.
- Incluir todas as áreas de desenvolvimento pessoal e social.

Ao nível dos Conteúdos

Tradicionalmente

- Eixo básico do ensino em todos os seus níveis.
- Dirigidos para os factos, conceitos, princípios e teorias.
- Criados basicamente para a formulação de competências.

Modificações

- Considerados como instrumentos para o desenvolvimento de capacidades.
- Incluir todas as áreas de desenvolvimento pessoal e social.
- Diversificados, incluindo procedimentos, atitudes, valores…
- Estabelecer prioridades, atendendo à sua funcionalidade e na medida em que favorecem a capacidade de auto-aprendizagem dos alunos.

Ao nível das Metodologias

Tradicionalmente

- Essencialmente transmissora, baseada na acção do professor.
- Para o aluno, centrada na aprendizagem mecânica e numa actividade de reprodução.
- Homogénea nos métodos e estratégias docentes.
- Unidireccional no esquema comunicativo, do professor para os alunos.
- Com respeito aos alunos com NEE: não participam das actividades regulares que são macro-grupais, fechadas quanto aos níveis de entrada e execução apoiadas em materiais únicos.

Modificações

- Preferir métodos e actividades interactivas.
- Dar preferência e enfoques construtivos de aprendizagem significativa.
- Respeitar as condições de aprendizagem significativa.
- O professor actuará mais como um facilitador da aprendizagem do que como instrutor: facilita a actividade directa dos alunos; tem em conta os níveis e conhecimentos prévios dos alunos ao propor as actividades; tenta motivá-los atendendo aos seus interesses e necessidades…
- Em relação aos alunos com NEE, FAVORECE A SUA ACTIVIDADE:
- estruturando o seu trabalho e aumentado as orientações;
- reduzindo a dificuldade;
- proporcionando-lhes recursos didácticos cada vez mais adaptados;
- incrementando a comunicação para detectar as dificuldades e decidir sobre as ajudas necessárias;
- controlando o seu trabalho continuamente.

FAVORECENDO A SUA PARTICIPAÇÃO:
- dando grande peso a actividades em pequeno grupo.

FAVORECENDO A NORMALIZAÇÃO:
- programando espaços para actividades diferenciadas dentro da sala, para todos os alunos.

Ao nível da Avaliação

Tradicionalmente

- Normativa, mais focada para classificação e etiquetagem.
- Recai só sobre os alunos.
- Apenas tem em conta os produtos da aprendizagem.

Modificações

- Incluir na avaliação o próprio contexto de ensino, sua planificação e desenvolvimento.
- Atender mais aos processos de aprendizagem do que aos produtos.
- Seguir continuamente todo o processo de E/A.
- Ampliar os processos, técnicas e estratégias de avaliação.
- Adaptar os instrumentos de avaliação em função dos alunos com NEE.

O Sucesso do Currículo Nacional do Ensino Básico (CNEB) está na flexibilidade e possibilidade de adaptação às capacidades e motivações das pessoas a que se destina. Este processo de aproximação entre as competências desejadas e as capacidades e motivações do indivíduo ou grupo – diferenciação pedagógica – é realizado em ambientes de aprendizagem diversificados, recorrendo à constituição de pequenos grupos, individualização ou personalização do ensino.


O recurso a metodologias e estratégias diversificadas na sala de aula, a que o ME dá ênfase (Despacho n.º 1438/25, de 21 de Janeiro), bem como a necessidade de reorganizar o trabalho escolar de forma a optimizar as situações de aprendizagem (Despacho Normativo n.º 50/2005, de 9 de Novembro), vêm enfatizar que “a avaliação formativa é a principal modalidade de avaliação do ensino básico, assume carácter contínuo e sistemático e visa a regulação do ensino e da aprendizagem…” (Despacho Normativo n.º 1/2005, de 5 de Janeiro) e coloca na Escola os instrumentos de sucesso educativo para Todos os alunos.


Bibliografia

Bautista, R. (1997). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa, Dinalivro.
Correia, L.M. (1997). Alunos com Necessidades Educativas Especiais nas Classes Regulares. Porto, Porto Editora.
Dec.-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro. DR, I Série-A
Despacho Normativo n.º 1/2005, de 5 de Janeiro. DR, I Série-B.
Despacho n.º 1438/2005, de 21 de Janeiro. DR, II Série.
Despacho Normativo n.º 50/2005, de 9 de Novembro. DR, I Série-B.
Ferreira, F.; Dias, M.; Santos, P. (2006). O Projecto Curricular de Turma como Instrumento de Veiculação de Adaptações Curriculares. Disponível em: http://edif.blogs.sapo.pt/13400.html
Rodrigues, D. (2001). Educação e Diferença. Porto, Porto Editora.
Tomlinson, C.A.; Allan, S.D. (2002). Liderar Projectos de Diferenciação Pedagógica. Porto, Edições ASA

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

MEC rejeita texto que obriga a incluir alunos especiais em escola comum

O ministro da Educação, Fernando Haddad, devolveu ao CNE (Conselho Nacional de Educação), para revisão, o parecer que recomenda a obrigatoriedade da matrícula de alunos com deficiência em escolas comuns. O MEC (Ministério da Educação) defende um prazo maior para implementar a medida e discute o destino das escolas especiais que atendem esse público atualmente.

O CNE havia enviado para homologação o documento que estabelecia a "obrigatoriedade da matrícula dos alunos, público-alvo da Educação Especial, na escola comum do ensino regular" e deixava como "função complementar ou suplementar" o atendimento educacional especializado.

O projeto de resolução do CNE, que endossa a posição da Secretaria de Educação Especial, foi devolvido pelo MEC, que pediu a revisão do texto.

De acordo com a assessoria do ministério, Haddad considerou que a obrigatoriedade contraria a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que estabelece que a educação especial deve ser oferecida "preferencialmente na rede regular de ensino".

A polêmica gira ainda em torno dos limites da inclusão, do despreparo de escolas e professores em receber os 320 mil alunos das escolas especiais e da distribuição dos recursos do Fundeb. A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados havia pedido ao MEC que não homologasse o parecer.

A resolução, se implementada, entraria em vigor já a partir de 2010. O MEC afirma que é preciso um prazo maior para adaptar a rede. Hoje 376 mil alunos portadores de alguma deficiência estudam em escolas comuns.

A secretária-executiva da Federação Nacional das Apaes, Sandra Marinho, apoiou a decisão do MEC em relação a obrigatoriedade. "Defendemos a inclusão, mas para que isto aconteça não é necessário exterminar a escola especial. Ela sempre será necessária para uma parcela da população com uma deficiência mais comprometida, que tem uma adaptação pouco provável nas escolas comuns", afirmou.

A presidente da FBASD (Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down), Cláudia Grabois, discorda do ministro. A entidade tem um abaixo-assinado pedindo a homologação imediata da resolução do CNE. O manifesto reúne mais de 120 associações e 500 pessoas físicas.

"Pela lei, toda criança com deficiência tem direito a estudar na classe comum da escola regular. O apoio [da escola especial] deve ser oferecido no contraturno. Temos que aguardar para ver se terá uma nova resolução, esperamos que [o novo texto] não modifique o conteúdo. A escola vai se preparar a partir do momento que tiver o aluno, se não tiver, jamais estará preparada", diz Cláudia.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u611795.shtml

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Educação Especial e Escola Regular: uma união que legitima a cidadania

Nos últimos dias tem se acirrado o debate em torno de uma política do MEC, que visa fomentar a inclusão de estudantes portadores de necessidades especiais nas redes públicas de ensino regular.
O artigo 9-A do Decreto Presidencial nº 6.253/2007, que teve sua redação instituída pelo Decreto de nº 6.571/2008, dispõe que a partir de 1º de janeiro de 2010 admitir-se-á “para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, o cômputo das matrículas dos alunos da educação regular da rede pública que recebem atendimento educacional especializado, sem prejuízo dessas matrículas na educação básica regular”.
O Decreto 6.571, além de conceder a redação ao artigo acima descrito, também tratou de instituir - mediante ações articuladas com os sistemas de ensino dos estados e municípios - uma série de políticas públicas para atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência. O Decreto baseou-se nas recomendações do art. 60, parágrafo único da lei 9.394/96 (LDB) e no art. 9º, § 2º da lei 11.494/07 (Fundeb), as quais, por sua vez, regulamentam o art. 208, III da Constituição, que determina “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.
A “grita” de alguns setores contra a medida da União, que objetiva priorizar a inclusão das crianças e jovens com deficiência nas redes públicas regulares de ensino, parece desconhecer seu real teor, e, por outro lado, induz a uma reserva de mercado que não preza - muito por razões estruturais e de especialização das instituições conveniadas - a inclusão educacional.
O parágrafo único do art. 9-A do decreto 6.253/07 diz que “o atendimento educacional especializado poderá ser oferecido pelos sistemas públicos de ensino ou pelas instituições mencionadas no art. 14” (comunitária, filantrópica ou confessional). Porém, a princípio, o financiamento da ação em comento se restringe às redes públicas, uma vez que não se trata de uma política institucionalizada (aprovada por lei). Nada impede, no entanto, que as escolas conveniadas que queiram integrar a presente política de inclusão pleiteiem apoio financeiro público. Mas esse é um debate que deverá ser travado no Congresso Nacional.
O art. 14, § 2º, do mesmo Decreto 6.253, trata de esclarecer quais são as matrículas da Educação Especial (EE) a serem computadas no cálculo de distribuição do Fundeb, sendo elas: as efetivadas na rede regular de ensino, em classes comuns ou em classes especiais, e em escolas especiais ou especializadas, a exemplo das APAEs. Ou seja, o financiamento público para a modalidade de Educação Especial, inclusive para as instituições privadas conveniadas, está mantido. No caso do Fundeb, cada matricula de EE representa 1,20 do coeficiente de distribuição geral do Fundo.
Embora essa opinião pareça mais um parecer jurídico-legislativo, seu objetivo consiste em demonstrar a inequívoca legalidade e legitimidade da proposta de financiamento dobrado, a ser garantido pelos recursos do FUNDEB às pessoas com deficiência que estejam matriculadas, integral ou parcialmente, em escolas regulares públicas. A ação pública tem em vista concretizar aquilo que a Constituição elegeu como prioridade, utilizando-se do princípio constitucional que garante a destinação prioritária dos recursos públicos às escolas públicas (art. 213). E assegurar recursos extras para a inclusão escolar é mais que uma medida necessária.
Importante destacar, também, nesse caso, que nada impede de estudante portador de deficiência matricular-se numa escola regular pública mantendo seus estudos e seu atendimento especializado em escolas conveniadas de modalidade especial. Há casos em que a Educação Especial, strictu sensu, é mais que uma oportunidade de escolarização; representa o apoio vital às necessidades físicas e mentais da pessoa. E não resta dúvida sobre o compromisso e a capacidade de muitas instituições não-públicas de oferecerem esse atendimento. Por isso, não há que se falar em disputa de matrículas com as escolas privadas.
Imprescindível, agora, é o entendimento e o reconhecimento social da ação do MEC, que vai ao encontro dos preceitos de uma educação inclusiva e de qualidade para todos/as os/as brasileiros/as. Os objetivos descritos no Decreto 6.571 comprovam essa tese, pois buscam: fornecer atendimento educacional especializado e integrado à proposta pedagógica da escola, com participação da família, de modo a articular-se com as demais políticas públicas (art. 1º, § 2º); prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular aos alunos com deficiência; garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular; fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis de ensino (art. 2º); além de conceder apoio técnico e financeiro da União para a consecução dessas políticas (art. 3º).
Retificação
O editorial do CNTE Informa 494, intitulado “Funcionários de escola, educadores de fato e de direito”, foi divulgado com um erro. No terceiro parágrafo, onde se lê: “os trabalhadores lotados em escolas públicas ou particulares, em funções consideradas “não-docentes”, que buscarem se profissionalizar em uma das quatro áreas pedagógicas de nível médio, previstas na 21ª Área Profissional de Nível Técnico, criada pelo Conselho Nacional de Educação, ou que se licenciarem em curso de pedagogia de nível superior...” deve ser lido: “ou que se licenciarem em áreas pedagógicas ou afins de nível superior...”.
Sobre o assunto, cabe esclarecer que:
A lei 12.014/09 reconheceu três categorias de profissionais da educação: professores, especialistas da educação e funcionários de escola. As exigências para a formação de professores e de especialistas, previstas no novo artigo 61 da lei 9.394/96 e que se complementam com os artigos seguintes da LDB, já se encontram reguladas pelo poder público. Aos professores exige-se o curso de pedagogia e as diversas licenciaturas.
Para a formação dos professores de educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, admite-se, ainda, o curso Normal de nível médio. Para estes, a pedagogia é uma alternativa muito recomendável, mas não necessária. Aos especialistas, a exigência é o curso de pedagogia com habilitação em áreas de suporte pedagógico (administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como os títulos de mestrado e doutorado nas mesmas áreas).
Quanto aos funcionários de escola, até o momento, somente a 21ª Área Profissional do Conselho Nacional de Educação define as competências técnicas de nível médio para o exercício da profissão. Quanto à habilitação de nível superior, prevista no inciso III do novo artigo 61 da LDB, informamos que a CNTE tem feito gestão junto ao MEC e ao CNE visando à criação de cursos superiores em áreas pedagogias exclusivas para os funcionários de escola. Porém, a matéria ainda carece de regulação.

http://www.cnte.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2164&Itemid

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Quem necessita de educação especial?

A legislação, no Brasil, evolui mais do que as leis em se tratando, especialmente, de educação escolar. Para ilustrar, uma metáfora: as leis andam a passos de tartaruga e, por isso, cedo, caducam; enquanto a legislação, a saltos de canguru, permanentemente, atualizam-se no espaço e no tempo. Os conceitos de educação especial e necessidades educacionais especiais exemplificam bem a assertiva e a metáfora acima.
A Carta Magna é a lei maior de uma sociedade política, como o próprio nome nos sugere. Em 1988, a Constituição Federal, de cunho liberal, prescrevia, no seu artigo 208, inciso III, entre as atribuições do Estado, isto é, do Poder Público, o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.
A garantia constitucional resultava do compromisso liberal do Estado brasileiro de educar a todos, sem qualquer discriminação ou exclusão social e o acesso ao ensino fundamental, para os educandos, em idade escolar, sejam normais ou especiais, passa a ser, a partir de 1988, um direito público subjetivo, isto é, inalienável, sem que as famílias pudessem abrir mão de sua exigência perante o Poder Público.
No dispositivo da Constituição de 1988, conforme observamos, há avanço e recuo jurídicos. Avanço quando diz que os portadores de deficiência devem receber atendimento especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. Não obstante, há recuo quando traz ainda, no final dos anos 80, uma terminologia tacanha, excludente, ao fazer referência às pessoas com alguma necessidade especial, no âmbito escolar, como "portadores de deficiência”.
Em se tratando de análise terminológica, fazemos hoje um desconto nas expressões jurídicas da Constituição Federal de 1988, porque estávamos, em 1988, em pleno final do século XX, cujo conceito de deficiência era herança da Medicina de séculos anteriores. A terminologia “portadores de deficiência” nos remete a um Brasil excludente que tratava seus doentes, deficientes ou não, como “portadores de moléstia infecciosa”. Este enfoque clínico, assim, perdurou até a Constituição Federal de 1988.
A LDB é exemplo também de Lei Ordinária, abaixo, hierarquicamente, no ordenamento jurídico do país, da Lei Magna. Trata-se da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a chamada Diretrizes Bases da Educação Nacional, uma lei derivada da Constituição Federal, fará o conserto (correção social) e concerto (sintonia internacional) da terminologia “portadores de deficiência” para “educandos com necessidades educacionais especiais”.
No seu artigo 4º, inciso III, a LDB diz que o dever do Estado, com a educação escolar pública, será efetivado mediante a garantia de “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino”. (grifo nosso)
De logo, vemos os avanços do dispositivo da Lei 9.394/96: a) O atendimento educacional é gratuito. Portanto, a oferta do atendimento especializado, no âmbito da rede oficial de ensino, não pode ser cobrada; b) Pessoas em idade escolar são considerados “educandos com necessidades especiais”, o que pressupõe um enfoque pedagógico, ou mais, precisamente, um enfoque psicopedagógico, em se tratando do atendimento educacional. O corpo e a alma dos educandos são de responsabilidade de todos os que promovem a formação escolar.
O artigo 58, da LDB, no entanto, vai misturar um pouco os enfoques clínico e pedagógico ao conceituar a educação especial “como modalidade de educação escolar, oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino, para educando portadores de necessidades especiais”.
No § 1º, do artigo 58, da LDB, o legislador diz que “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial”. Aqui, revela a faceta mais médica do atendimento especializado, ao tratar os educandos com necessidades especiais como uma clientela. Clientela, como se sabe, refere-se ao doente, em relação ao médico habitual. Estaria aqui a faceta neoliberal da LDB?
Os pareceres e a Resolução manifestas pelo Conselho Nacional de Educacional são exemplos de legislação. Em geral, para ter força jurídica, são homologadas pelo Ministro da Educação e Desporto que as respaldam para aplicação na organização da educação nacional.
Mais recentemente, as manifestações do Conselho Nacional de Educacional, no esforço de construir um arcabouço de diretrizes nacionais para a educação especial, assinalam, no Parecer CNE/CEB n.º l7/2001, de 03 de julho de 2001 e a Resolução CNE/CEB n.º 02, de 11 de setembro de 2001, que os sistemas de ensino devem matricular todos os educandos com necessidades educacionais especiais.
Uma pergunta, agora, advém: quem, no processo escolar, pode ser considerado um “educando com necessidade educacional especial? A Resolução CNE/CEB n.º 02, de 11 de setembro de 2001, assim se pronuncia, no seu artigo 5º:
l) Os educandos com dificuldades acentuadas de aprendizagem (inciso I). Esses educandos são aqueles que têm, no seio escolar, dificuldades específicas de aprendizagem, ou “limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares”.
As crianças com dislexia e dificuldades correlatas(dislalia, disgrafia e disortografia), por exemplo, estão no grupo daqueles educandos com dificuldades “não vinculadas a uma causa orgânica específica”, enquanto as crianças desnutridas e com dificuldades de assimilação cognitiva, por seu turno, estão enquadradas entre “aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências”.
2) Os educandos com dificuldades de comunicação e sinalização. Estas, no entender dos conselheiros, são as “diferenciadas dos demais alunos”, o que demandaria a utilização de linguagens e códigos aplicáveis. Os crianças cegas de nascença, por exemplo, se enquadrariam neste grupo.
3) Os educandos com facilidades de aprendizagem. Os conselheiros observam que há alunos, que por sua acentuada facilidade de assimilação de informações e conhecimentos não podem ser excluída da rede regular de ensino. Aqui, o valor está em avaliar que são especiais aqueles que “dominam rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes” no meio escolar.
A inserção de educandos com necessidades educacionais especiais, no meio escolar, é uma forma de tornar a sociedade mais democrática. Da mesma forma, a transformação das instituições de ensino em espaço de inclusão social é tarefa de todos que operam com a alma e o corpo das crianças especiais.

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