Adequações Curriculares
Por: João Pereira
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Um grande número de alunos com necessidades educativas especiais exibe um conjunto de problemáticas que, por não serem consideradas de carácter prolongado, ou seja, possuir “incapacidade ou incapacidades que se reflictam numa ou mais áreas de realização de aprendizagens, resultantes de deficiências de ordem sensorial, motora ou mental, de perturbações da fala e da linguagem, de perturbações graves da personalidade ou do comportamento ou graves problemas de saúde”, não lhe é oferecido a modalidade de educação especial (Dec.-Lei n.º 6/2001, art. 10º). Só aos alunos com necessidades educativas especiais de carácter prolongado/permanente é oferecido adequações curriculares significativas, consubstanciadas em currículos alternativos ou próprios, orientados para aprendizagens de conteúdos específicos, únicas alternativas possíveis para beneficiarem da inclusão na escola regular que lhes proporciona a aquisição de conteúdos/competências ou comportamentos específicos que visam tornar o aluno mais autónomo.
Este grupo de alunos, embora não beneficiando de adequações curriculares significativas, tem direito a adequações curriculares que não prejudiquem o cumprimento dos objectivos gerais do Ciclo, ou seja, adaptações que seguem o currículo normal e não podem pôr em causa as medidas do regime educativo comum.
Atendendo ao quadro do desenvolvimento da autonomia das escolas, que estabelece que “as estratégias de desenvolvimento do currículo nacional, visando adequá-lo ao contexto de cada escola, são objecto de um projecto curricular de escola, concebido, aprovado e avaliado pelos respectivos órgãos de administração e gestão” (Dec.-Lei n.º 6/2001, art. 2º, p: 3), o qual deverá ser desenvolvido, “em função do contexto de cada turma, [sendo] objecto de um projecto curricular de turma, concebido, aprovado e avaliado pelo professor titular de turma, em articulação com o conselho de docentes, ou pelo conselho de turma, consoante os ciclos” (Dec-Lei n.º 6/2001, art. 2º, p: 4), verifica-se a exigência de procedimentos adequados.
Sendo o Currículo Nacional do Ensino Básico (CNEB) “o conjunto de aprendizagens e competências a desenvolver pelos alunos ao longo do ensino básico, de acordo com os objectivos consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo” (Dec.-Lei n.º 6/2001, art. 2º, p: 1), é com base neste documento que se deve desenrolar todo o processo. Neste Dec.-Lei faz-se também referência ao projecto curricular que dá cumprimento ao estabelecido no CNEB, através do qual se adequam as estratégias de desenvolvimento do currículo a cada escola e posteriormente a cada turma. Este, o projecto curricular, surge assim em duas vertentes distintas mas correlacionadas: o projecto curricular de escola (PCE) e o PCT.
Desta forma, o PCE é um documento onde constam as estratégias de desenvolvimento do currículo nacional e o PCT, que decorre do anterior, é um documento onde constam as estratégias de concretização e desenvolvimento do CNEB e do Projecto Educativo de Escola (PEE).
Atendendo a que o CNEB é um conjunto de aprendizagens/competências que os alunos devem desenvolver ao longo do ensino básico, o PCT deve estruturar-se segundo princípios orientadores, sob os quais se organiza e gere o próprio currículo e em torno da autonomia e diferenciação, que a gestão flexível do currículo permite.
A elaboração do PCT permite, dentro dos limites impostos pelo CNEB, fazer diferenciação pedagógica, isto é, organizar e gerir de forma autónoma o processo de ensino/aprendizagem tendo por base a autonomia implícita na prática do professor e as exigências subjacentes às características dos alunos da turma. Por seu turno, a gestão flexível do currículo, que passa pela tomada de decisões para que todos aprendam, faz-se através da adequação, da diferenciação e da flexibilização do próprio currículo. Esta prática exige a análise de cada situação e permite a diversificação das práticas metodológicas de ensino obedecendo a alguns critérios metodológicos que lhe conferem o rigor e a autenticidade indispensáveis à sua formalização. São também fundamentais as competências definidas para a escolaridade obrigatória, organizadas em três grandes blocos: de carácter geral, transversal e essencial. Estas competências, por sua vez, não são independentes, elas interligam-se, interagem e interceptam-se mutuamente. É desta intercessão, verificada em cada momento de desenvolvimento do aluno, que decorre o contributo para a formação pessoal, social, académica, no geral da literacia do aluno.
O PCT é, acima de tudo, uma proposta de acção que visa, por um lado simplificar o trabalho dos professores e, por outro, promover as aprendizagens dos alunos. Simplifica, na medida em que permite conhecer a turma profundamente, contém orientações precisas, serve de suporte ao trabalho de professores e alunos e permite controlar as aprendizagens. Promove as aprendizagens porque permite flexibilizar, diferenciar e adequar as estratégias e métodos às necessidades dos alunos bem como adequar as práticas dos professores. É, assim, um documento elucidativo da acção pedagógica desenvolvida, durante o ano lectivo, por professores e alunos. Digamos que é um “diário” da turma porque dele consta o potencial determinante do ensino e da aprendizagem, resultante das capacidades, pensamentos e acções de professores e alunos.
Este documento, o PCT, permite também que se verifique diferenciação pedagógica, ou seja, a resposta dada a um leque, mais ou menos diversificado, de capacidades da turma, prevendo que os alunos não tenham que estudar as mesmas coisas ao mesmo tempo, ao mesmo ritmo e sempre da mesma maneira. Sabemos já que diferenciação pedagógica ou modificações é gerir e organizar o processo de ensino/aprendizagem de forma autónoma, mas só um conhecimento preciso da turma permite fazer essa diferenciação. A diferenciação reside na adequação das estratégias de ensino encontradas pelo professor para se aproximar das estratégias de aprendizagem de cada aluno. Desta forma não há lugar para metodologias de exclusão mas sim para metodologias de inclusão onde há respeito pela diferença e pelos ritmos de aprendizagem, isto é, onde o que importa é a individualidade de cada aluno e não a turma em si. Um professor que diferencia, compreende a necessidade dos alunos expressarem humor, trabalharem em grupo, beneficiarem de ensino supletivo num domínio particular, aprofundarem mais um dado assunto ou ainda terem apoio na abordagem e leitura do excerto de um texto – sendo que o professor responde activa e positivamente a essa necessidade.
A diferenciação pedagógica resume-se simplesmente à prestação de atenção às necessidades de aprendizagem de um aluno em particular, ou de um pequeno grupo de alunos (ao nível das competências, conteúdos, metodologias e avaliação), em vez do modelo mais típico de ensinar uma turma como se todos os indivíduos nela integrados tivessem características semelhantes:
Elementos Curriculares
Ao nível das Competências
Tradicionalmente
- Dirigidas para o puramente cognitivo.
- Pensadas para o aluno médio.
- Identificadas com os conteúdos académicos.
Modificações
- Diversificadas, definindo as mínimas, e outras individualizadas para cada aluno.
- Incluir todas as áreas de desenvolvimento pessoal e social.
Ao nível dos Conteúdos
Tradicionalmente
- Eixo básico do ensino em todos os seus níveis.
- Dirigidos para os factos, conceitos, princípios e teorias.
- Criados basicamente para a formulação de competências.
Modificações
- Considerados como instrumentos para o desenvolvimento de capacidades.
- Incluir todas as áreas de desenvolvimento pessoal e social.
- Diversificados, incluindo procedimentos, atitudes, valores…
- Estabelecer prioridades, atendendo à sua funcionalidade e na medida em que favorecem a capacidade de auto-aprendizagem dos alunos.
Ao nível das Metodologias
Tradicionalmente
- Essencialmente transmissora, baseada na acção do professor.
- Para o aluno, centrada na aprendizagem mecânica e numa actividade de reprodução.
- Homogénea nos métodos e estratégias docentes.
- Unidireccional no esquema comunicativo, do professor para os alunos.
- Com respeito aos alunos com NEE: não participam das actividades regulares que são macro-grupais, fechadas quanto aos níveis de entrada e execução apoiadas em materiais únicos.
Modificações
- Preferir métodos e actividades interactivas.
- Dar preferência e enfoques construtivos de aprendizagem significativa.
- Respeitar as condições de aprendizagem significativa.
- O professor actuará mais como um facilitador da aprendizagem do que como instrutor: facilita a actividade directa dos alunos; tem em conta os níveis e conhecimentos prévios dos alunos ao propor as actividades; tenta motivá-los atendendo aos seus interesses e necessidades…
- Em relação aos alunos com NEE, FAVORECE A SUA ACTIVIDADE:
- estruturando o seu trabalho e aumentado as orientações;
- reduzindo a dificuldade;
- proporcionando-lhes recursos didácticos cada vez mais adaptados;
- incrementando a comunicação para detectar as dificuldades e decidir sobre as ajudas necessárias;
- controlando o seu trabalho continuamente.
FAVORECENDO A SUA PARTICIPAÇÃO:
- dando grande peso a actividades em pequeno grupo.
FAVORECENDO A NORMALIZAÇÃO:
- programando espaços para actividades diferenciadas dentro da sala, para todos os alunos.
Ao nível da Avaliação
Tradicionalmente
- Normativa, mais focada para classificação e etiquetagem.
- Recai só sobre os alunos.
- Apenas tem em conta os produtos da aprendizagem.
Modificações
- Incluir na avaliação o próprio contexto de ensino, sua planificação e desenvolvimento.
- Atender mais aos processos de aprendizagem do que aos produtos.
- Seguir continuamente todo o processo de E/A.
- Ampliar os processos, técnicas e estratégias de avaliação.
- Adaptar os instrumentos de avaliação em função dos alunos com NEE.
O Sucesso do Currículo Nacional do Ensino Básico (CNEB) está na flexibilidade e possibilidade de adaptação às capacidades e motivações das pessoas a que se destina. Este processo de aproximação entre as competências desejadas e as capacidades e motivações do indivíduo ou grupo – diferenciação pedagógica – é realizado em ambientes de aprendizagem diversificados, recorrendo à constituição de pequenos grupos, individualização ou personalização do ensino.
O recurso a metodologias e estratégias diversificadas na sala de aula, a que o ME dá ênfase (Despacho n.º 1438/25, de 21 de Janeiro), bem como a necessidade de reorganizar o trabalho escolar de forma a optimizar as situações de aprendizagem (Despacho Normativo n.º 50/2005, de 9 de Novembro), vêm enfatizar que “a avaliação formativa é a principal modalidade de avaliação do ensino básico, assume carácter contínuo e sistemático e visa a regulação do ensino e da aprendizagem…” (Despacho Normativo n.º 1/2005, de 5 de Janeiro) e coloca na Escola os instrumentos de sucesso educativo para Todos os alunos.
Bibliografia
Bautista, R. (1997). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa, Dinalivro.
Correia, L.M. (1997). Alunos com Necessidades Educativas Especiais nas Classes Regulares. Porto, Porto Editora.
Dec.-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro. DR, I Série-A
Despacho Normativo n.º 1/2005, de 5 de Janeiro. DR, I Série-B.
Despacho n.º 1438/2005, de 21 de Janeiro. DR, II Série.
Despacho Normativo n.º 50/2005, de 9 de Novembro. DR, I Série-B.
Ferreira, F.; Dias, M.; Santos, P. (2006). O Projecto Curricular de Turma como Instrumento de Veiculação de Adaptações Curriculares. Disponível em: http://edif.blogs.sapo.pt/13400.html
Rodrigues, D. (2001). Educação e Diferença. Porto, Porto Editora.
Tomlinson, C.A.; Allan, S.D. (2002). Liderar Projectos de Diferenciação Pedagógica. Porto, Edições ASA
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